quinta-feira, 17 de junho de 2010

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Crianças especiais, educação especial

Têm mais dificuldades de aprendizagem e de socialização do que as outras crianças. Por isso precisam de uma atenção diferente e de uma educação especial. Em casa e na escola.
Ninguém se desenvolve exactamente como aparece nos livros. Por isso, quando um adulto se apercebe de que uma criança não se enquadra numa ou noutra estimativa padronizada, não deve concluir imediatamente que esse factor por si só representa algum tipo de perturbação de desenvolvimento. Mas deve ficar alerta, observar com atenção o comportamento do miúdo e até tirar algumas notas. Se verificar que há repetição prolongada, informe o médico de família, peça ajuda e aceite a criança como ela é. São sugestões do terapeuta de psicomotricidade Francisco Lontro.
Como é que se pode detectar precocemente que se está perante uma criança diferente e que esta vai precisar de uma atenção especial? "Os pais desde muito cedo percebem que se passa qualquer coisa. Mas pensam: "Se calhar não é nada. Eu não quero que seja nada... Quero que o meu filho seja perfeitinho, muito feliz, que tenha tudo de bom na vida" e às vezes o sinal é recusado."

Medos e dúvidas

A ansiedade própria de quem tem um bebé, com muitas dúvidas e medos, levam o terapeuta, ex-professor universitário, a dizer nas conferências em que participa: "O primeiro aspecto a ter em conta é o coração dos pais. O primeiro sinal é o mais difícil de expressar porque mexe com as ansiedades e com as dúvidas."
Mas é imperioso estar atento desde os primeiros dias. Nos casos de surdez, por exemplo, que forem detectados até aos seis meses de idade e imediatamente intervencionados, a criança irá ter oralidade. Ou seja, poderá comunicar com a voz. Quem fala agora é Ana Pereira, docente de Educação Especial, com formação em comunicação, linguagem e deficiências auditivas. "Há pais que acham normal que as crianças não reajam a um som que possam emitir e não vão ligando. Ou não "querem" ligar. Quando vão fazer o rastreio, já é tarde."
Iniciar a aprendizagem da linguagem gestual bastante cedo também irá facilitar o percurso escolar. "Tenho ex-alunos que estão agora no 12.º ano e têm óptimos resultados. Estes meninos só têm a falta do sentido de audição. Não há problemas cognitivos, motores ou outros. Nenhum repetiu um ano, apesar de a partir do 10.º ano terem deixado de ter apoio. Aqui [em Setúbal] mais ninguém tem esta especialidade."
Como se pode definir então uma criança com necessidades educativas especiais? "É uma pergunta cada vez mais difícil de responder, sobretudo com a mudança de paradigma e da lei. As necessidades educativas especiais definem-se dentro do percurso que seria esperado de uma criança no ensino regular. Acontece quando a resposta da criança não se adequa a determinado nível de competências", diz Francisco Lontro.
"São crianças que não podem utilizar todos os sentidos da mesma forma que nós, os ditos "normais". Mas não quer dizer que não consigam atingir os mesmos objectivos, desde que trabalhados e bem acompanhados, que a maioria das outras crianças. Só que a outro ritmo", responde Ana Pereira, que trabalha com miúdos há mais de 30 anos. "Uma criança numa cadeira de rodas também se enquadra aqui porque tem problemas de mobilidade, mas pode não ter qualquer outro problema."
A Classificação Internacional de Funcionalidade (CIF), adoptada pela Organização Mundial de Saúde, foi criada por Rune J. Simeonsson e permite avaliar se as crianças necessitam de educação especial. Embora pretendendo ser uma linguagem unificada, perceptível em qualquer parte do mundo, na definição de parâmetros para a saúde e para a educação, não é de aceitação pacífica. Um relatório divulgado no final da semana passada pelo Instituto de Educação da Universidade do Minho dava conta disso mesmo.

Formar docentes e médicos

"Em Portugal, houve pouca formação da classe docente em CIF. Também os profissionais da saúde, principalmente os que estão em hospitais e centros, deveriam ter sido formados nesta classificação universal. Eles têm de certificar a diferença que a criança tem e não o sabem fazer", diz a professora.
Francisco Lontro divide os casos que necessitam de ajuda em comportamentais e de aprendizagem. Nos primeiros, entra a hiperactividade: "Começa a ser preocupante quando o miúdo não consegue prestar atenção a nada, quando reage impulsivamente a qualquer coisa que lhe peçam ou tem grande incapacidade de atrasar a recompensa." Mas lembra que a hiperactividade é um "saco muito grande". Cabe lá "o défice de atenção, a depressão infantil e perturbações de vinculação (desorganização familiar)".
O autismo, assim como a síndrome de Asperger são alguns dos problemas que por vezes são acompanhados de "défice na coordenação motora ou na comunicação, mas em termos cognitivos as crianças podem ter uma inteligência normal ou acima da média dirigida para assuntos específicos. Ser extraordinariamente competentes numas áreas, mas ter grandes lacunas noutros sectores do conhecimento". Miúdos com hiperactividade e défice de atenção têm tendencialmente uma inteligência normal, mas a aprendizagem "ressente-se" devido aos outros problemas, daí a necessidade de diferentes ritmos e adaptações.

Inclusão com sucesso

Os jogos são uma boa via para trabalhar com estes miúdos. A brincadeira associada ao jogo é uma maneira fácil de de promover processos de interacção e desenvolvimento.
Numa das turmas a que Ana Pereira dá apoio (8.º A, na Escola Básica 2/3 de Aranguez, Setúbal), há uma criança surda, um aluno com muito baixa visão, uma criança com trissomia 18 e outra com esquizofrenia e crises psicóticas. "Por norma, só está na sala um professor de Educação Especial, independentemente da especialidade. Não era possível nem desejável ter um professor por cada tipo de problema (seria demasiada gente e perturbação) nem concentrar os problemas do mesmo tipo na mesma turma (juntar todos os invisuais, por exemplo)", diz a professora.
E este é um bom exemplo de inclusão. "Esta turma é exemplar até em termos de comportamento. Há preocupação com os colegas. E os professores colaboram a 100 por cento. Funcionamos como par pedagógico. O mesmo acontece com o 9.ºA e o 6.ºC." Mas, conta Ana Pereira, há professores que não autorizam que os colegas da Educação Especial ajudem os alunos durantes as suas aulas. "Nesses casos, não podendo fazer o meu trabalho, saio da sala."
fonte: Jornal "Público"

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